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10/04/2019Undime

Qual o impacto da crise do MEC nos estados e municípios

Entidades que representam secretários da educação cobram agenda em meio a demissões, vaivém e omissões do ministério

O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta segunda-feira (8) a saída de Ricardo Vélez Rodríguez do Ministério da Educação. Ele indicou para seu lugar o nome de Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, atual secretário-executivo da Casa Civil. Vélez é o segundo ministro demitido em três meses de governo – antes dele, Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência havia caído em fevereiro.

A gestão de Vélez no Ministério da Educação foi marcada por um quadro que une demissões em série, vaivém de decisões e, principalmente, paralisia. Sem experiência nas discussões sobre a área, o titular do MEC não conseguiu definir rumos da área. Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2019, protagoniza uma série de crises.

Para os secretários de educação nos estados e municípios, responsáveis pela educação básica no país, a situação causa insegurança. Não há definição, por exemplo, quanto à continuidade do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que redistribui recursos entre os estados desde 2007. A existência do fundo vence no fim de 2020.

O MEC é responsável por coordenar toda a política nacional para a área de ensino, estabelecer metas, avaliar e determinar os indicadores da educação básica no país. Mas não tem cumprido seu papel, segundo as entidades estaduais e municipais. Desde janeiro, as discussões na pasta giraram em torno dos seguintes temas:

- Um edital de janeiro excluía a obrigatoriedade de referências bibliográficas em livros didáticos. Foi anulado.
- O ministro recomendou que alunos cantassem o hino enquanto o diretor leria o slogan de campanha de Bolsonaro. Ele recuou.
- Uma portaria suspendia por dois anos a avaliação do nível de alfabetização de crianças. O MEC voltou atrás.
- Vélez defendeu que versão de que regime militar não foi ditadura seria inserida em livros didáticos. A frase irritou até militares.

Os problemas no ministério foram reconhecidos pelo próprio Jair Bolsonaro. No final de março, o presidente da República afirmou que “as coisas” não estavam dando certo no órgão. Classificou o ministro como “novo no assunto” e sem “tato político”. Mas preferiu decidir sobre o futuro de Vélez após sua viagem de cinco dias a Israel, entre 30 de março e 3 de abril.

Na sexta-feira (5), havia sinalizado a demissão do ministro. “Está bastante claro que não está dando certo. Ele é bacana e honesto, mas está faltando gestão, que é coisa importantíssima”, afirmou durante um encontro com jornalistas em Brasília.

Uma pauta para a educação

Em março de 2019, duas entidades que representam os secretários estaduais e municipais de educação elaboraram um documento intitulado “Agenda da Aprendizagem”. São elas:

- Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que representa os secretários dos 26 estados e do Distrito Federal.
- União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que representa os secretários dos 5.570 municípios do país.

A primeira parte da agenda é direcionada ao Ministério da Educação, com demandas consideradas urgentes para os estados e municípios. Ela aponta as seguintes necessidades:

- Instituir o Sistema Nacional de Educação, para garantir um efetivo regime de colaboração entre União, estados e municípios.
- Incorporar definitivamente o Fundeb no texto da Constituição e implantar o Custo Aluno Qualidade, que define um valor de investimento por aluno ao ano, para garantir um padrão mínimo de qualidade.
- Garantir a implantação da Base Nacional Comum Curricular nos ensinos fundamental e médio e dar apoio técnico e financeiro para a construção dos currículos nos estados
- Dar continuidade às avaliações em larga escala

O Nexo conversou com Cecilia Motta, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação. Mestre em educação, ela foi secretária municipal de Campo Grande por oito anos e está em seu segundo mandato como secretária de Educação do Mato Grosso do Sul.

Como avalia os 100 dias de MEC?

Cecilia Motta - O MEC está paralisado. Há uma inconstância nas pessoas que estão assumindo, começando pelo próprio ministro. Nós, que fazemos a educação, fizemos um trabalho muito grande no Consed em parceria com a Undime e pedimos uma agenda que acreditamos ser a da aprendizagem, e não ideológica. É uma agenda sobre a nossa função de gestores, mas também sobre a função do próprio MEC, que é a da aprendizagem do estudante. E a gente ainda não conseguiu ter retorno, porque essa agenda foi entregue ao [secretário-executivo do MEC, exonerado em 12 de março] Luiz Antônio Tozi, e ele iria marcar uma reunião com o ministro. Depois, entregamos para a [secretária de Educação Básica, demitida, a pedido, em 25 de março] Tania Leme de Almeida, que se mostrou muito solícita. Todos eles já saíram. O Consed está conversando bastante com a Undime para manter o regime de colaboração entre União, estados e municípios, para que a gente não pare o que iniciamos nos últimos anos. Precisamos, não é bem de um direcionamento, mas de ter escuta das nossas necessidades no ministério. E não o contrário. E essa escuta acaba se revertendo num apoio técnico e financeiro do MEC. A gente precisa dessa definição com a máxima urgência.

Como essa paralisação afeta estados e municípios?

Cecilia Motta - Causa uma insegurança, uma instabilidade para os gestores. Para os gestores novos nos estados, estamos dizendo para que não parem as ações. Todo mundo está percebendo o que está acontecendo, mas não paramos o que programamos no ano passado. Vai afetar na hora que falarem: “Não vai ter recurso para isso, para aquilo, vai acabar com o Fundeb, vai acabar com a avaliação da alfabetização”. Aí, vai ser uma tristeza. Dependemos muito, principalmente estados e municípios que têm poucos recursos e que não conseguem fazer a avaliação externa, da avaliação do Inep, que é uma instituição respeitadíssima, reconhecida mundialmente. Para nós, gestores, a avaliação nos dá um encaminhamento do que temos que trabalhar na formação continuada, já que a formação inicial dos professores está bastante deficitária. Esse reflexo já está acontecendo e vai acontecer de verdade quando aquela agenda que a gente apresentou, com quatro itens, não for cumprida. E é lógico que nós dependemos do MEC, sim.

Está faltando algo?

Cecilia Motta - No ano passado, o MEC reuniu 800 redatores em Brasília, e a gente debatia, direcionava para que pudéssemos entender a Base Nacional Comum Curricular e que essa base pudesse nos orientar em relação ao currículo dos estados e municípios. Quem capitaneava todo esse trabalho era o MEC. Era uma coordenação, uma união de esforços, um debate. Nós sabemos que nossos estudantes estão com a proficiência em português e matemática deficitária. Daqueles quatro pilares da educação, que são conhecer, fazer, ser e conviver, o Brasil trabalhou só com os dois primeiros e deixou para trás o ser e o conviver. Os municípios e os estados que estão com secretários novos recém assumidos estão com muito mais dificuldades. Estamos fazendo reuniões com secretários estaduais de educação, já fiz duas extraordinárias, para a gente alinhar o que estamos querendo.

Há secretários que estão perdidos?

Cecilia Motta - Nós fizemos muito esforço, mas é possível que alguns estejam sim. É muita coisa que vem para um secretário quando começa na pasta, de como está sua rede, de ter um diagnóstico. Fizemos uma reunião o Ricardo Paes de Barros [economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper], que deu um documento para cada secretário, um diagnóstico de como estava, então os secretários puderam sentir isso. O que nós podemos fazer, nós estamos fazendo. O MEC é importantíssimo para orientar cada unidade nacional. Estávamos caminhando bem, e agora a gente está aguardando. Não sei quem vem por aí. Bate uma insegurança. E a gente discorda de coisas que foram colocadas em alguns momentos.

Do que, por exemplo?

Cecilia Motta - Discordo de que todo mundo tenha que adotar o mesmo método fônico de alfabetização [priorizado em minuta do decreto da nova Política Nacional de Alfabetização do governo Bolsonaro]. Não que ele esteja errado, muita gente começa com ele, mas muita gente se alfabetiza com outros métodos. A gente enquadrar o método do professor é uma ingerência muito grande, não vou nem dizer no estado e municípios, mas no jeito que o professor faz. Se o aluno aprende, não interessa se o método foi A, B, C ou D. Ele aprende. As questões que estão vindo por aí, a gente está inseguro do que vai chegar pra gente. Suspendeu a avaliação da alfabetização, voltou atrás, agora quer fazer por amostragem, e não queremos. Nós queremos uma avaliação censitária, porque é isso que faz com que a gente possa acompanhar aluno por aluno. São coisas que estão acontecendo e que estão impactando. E estamos dizendo: não é assim que nós pensamos. Precisamos de alguém que realmente nos escute sobre o que nós acreditamos. Eu passei por seis ministros, mas todos eles escutaram o Consed. Todos queriam saber como estava indo. Não somos escutados pelo ministro, encontrei com ele uma única vez, falei o que a gente queria e depois nunca mais nos vimos.

O que espera da pasta daqui pra frente?

Cecilia Motta - Eu acredito que quem assumir vai receber um documento de todos os secretários e de todos os municípios com as nossas ansiedades. Que ele nos escute e que nos deixe argumentar minimamente, que a gente sente e discute os encaminhamentos da educação nacional. Pois mais que o Ministério esteja lá, quem está com a educação é a pontinha, é o município.

Quais devem ser os pontos chaves para o MEC?

Cecilia Motta - Nós definimos quatro pontos. O primeiro foi o financiamento. Não existe educação sem financiamento. Se acabar com o Fundeb, eu não sei o que vai ser da educação brasileira. Foi com ele que a gente conseguiu acolher a todos, em quantidade. Mas nós estamos muito ruins ainda na qualidade. Nisso, vêm os outros pontos, que são a formação dos professores neste ano inteiro sobre a nova Base Nacional Comum Curricular e os novos currículos construídos. Porque muda a maneira de trabalho. O terceiro é sobre a qualidade do ensino médio, que está muito ruim, e sobre o novo currículo que vai dar flexibilização para os alunos. O quarto é a questão da avaliação, que nós não sabemos usar. Se a nota na avaliação de matemática é 252, o que isso significa? Que habilidades ficam para baixo disso? Temos que olhar onde estamos falhando e trabalhar com as crianças.

Fonte/ Foto: Nexo Jornal

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